Radiola 26 - 1925
Restauração

Os meus agradecimentos a todos que me ajudaram, sem os quais seria penoso ter feito a Radiola 26 funcionar como nova:
Ao colecionador e técnico Konrad Birkner  www.radiomuseum.org ; aos vendedores Howard Stone www.stonevintageradio.com  e Gary Schmidt www.oldradioparts.com; ao colecionador e restaurador Richard Fairbanks, www.pharoahaudio.com/radiola26part1.html e às informações do site www.cfp-radio.com/restaurations/radiola26/chapitrage-radiola26-EN.html. Ao professor e “irmão” de rádios Ari Zwirtes (in memoriam) www.radioantique.com.br, que ainda doente construiu o chassi para a fonte de corrente contínua da Radiola, toda a minha saudade e consideração.   

                                                               Daltro D’Arisbo
                                                                       Dez/2011


Radiola 26 RCA - 1925

Em abril de 2011, comprei de Dom Hugo, argentino radicado no Brasil, uma Radiola 26, um dos primeiros super-heteródinos fabricados pela RCA nos Estados Unidos.  Após o primeiro exame, verifiquei que o receptor tinha válvulas estragadas e faltavam componentes, como um reostato e seu knob. Quanto ao funcionamento, nem pensar em teste com tensão. Primeiro, porque é das últimas coisas que faço. Segundo, porque ela usa quatro tensões em corrente contínua: 4V para os filamentos, 90V e 45V para as placas e -9V no circuito volume-grade. Eu teria que ter uma fonte com todas estas voltagens. Originalmente eram produzidas por pilhas da década de 1920 e que hoje viraram pó...

Tinha um serviço enorme pela frente. A pensar no mínimo, nunca tinha consertado ou sequer mexido num aparelho com estas características. Precisava começar e pensar todos os dias: nunca desistir! O início, como todos, foi encontrar o esquema, ampliá-lo, estudar e identificar os diversos circuitos. Após, abrir a Radiola, retirando e isolando os principais componentes, a saber: antena de quadro, chassi, catacumba, alto-falante e gabinete de madeira. Comecei pela tampa da caixa, que possui uma bobina “antena de quadro” no seu interior 

1. Tampa e antena de quadro. A Radiola possui a bobina de antena (o primário do transformador de RF) no interior da tampa do seu gabinete (1). Esta “tampa-antena de quadro” gira sobre dois pivôs, propiciando uma melhor recepção. A RCA adiantava, em três décadas, a antena direcional. Retira-se a tampa da moldura e a bobina aparece. A ligação dos dois extremos desta bobina com o interior do receptor é feita através de duas malhas de aço soldadas sobre as duas dobradiças inferiores (2).  O desencaixe de toda a “tampa-antena” da caixa da Radiola é feito dessoldando os contatos. Somente depois são retirados os parafusos das três dobradiças.



Um rádio antigo sempre foi mexido por alguém...”. Este não fugiu à regra. Infelizmente algum desavisado amador, ao repor o quadro da bobina, o fez de forma invertida dentro da moldura: os extremos da bobina não tinham contato com o disco do pivô inferior (3). Portanto não estavam conectados ao chassi! É só desparafusar os dois pivôs, retirar o quadro, aproveitar para limpar bem os contatos e montar corretamente. Alerte-se que, sempre após um serviço, deve-se verificar a continuidade nos extremos dos contatos!
No caso, trata-se da verificação do contato perfeito desde os fios presos às dobradiças até o pivô inferior, mesmo com o giro da bobina. É vital o teste da continuidade elétrica entre o circuito interno + dobradiças + “tampa antena de quadro”.

2. Desmanchando a Radiola
. A retirada de todo o circuito me serviu como uma redescoberta do rádio antigo. O circuito pode ser dividido em duas partes: um “chassi” em formato de retângulo contendo 2 capacitores variáveis, 2 bobinas de FI, 2 reostatos e uma barra de contatos (4);  e a catacumba , que é uma lata fechada vista na parte inferior da foto 5. A parte superior da catacumba é fechada por uma chapa de baquelite onde estão as válvulas (superior da foto 4).

Este momento do desmanche e “cognição” do circuito deve ser feita com a máxima cautela, com anotação de todas as ligações e sua correspondência com o circuito original.  Letras, números, desenhos e croquis são indispensáveis (6 e 7).

Iniciei os testes “a frio”, sem ligação a qualquer potencial. Foram conferidos, “ponto- a ponto” na fiação, todos os valores de capacitância e resistência entre bornes e suportes das válvulas e comparados aos do esquema original.

Tais indicações logo me deram más notícias: havia interrupção no transformador T1 junto à válvula de saída e vários capacitores estavam com isolação e capacitância erradas. Conclusão: eu teria que abrir totalmente a lata e derreter o breu que envolvia os componentes da catacumba, tarefa tão árdua quanto mexer num cemitério...

3. Retirada e abertura da “catacumba”. Como muitos receptores do final dos anos 1920, a Radiola 26 possui a maior parte da fiação e componentes como transformadores, capacitores, bobinas e resistências, dentro de uma lata, sobre a qual há a placa de baquelite com os soquetes das válvulas. É a chamada catacomb (catacumba), nome que se tornou popular entre os técnicos dos anos 20 e 30, nos USA. Além de estarem vedados pelo invólucro de metal, todos estes componentes eram envoltos num “tijolo” de breu! O hermetismo servia para lacrar este “chassi”, evitando a entrada de umidade e conservando-o fora do olhar dos que quisessem copiá-lo. Era o medo pela recente compra da patente do super-heteródino pela RCA do seu inventor, Edwin Armstrong.

Começando a desmanchar a catacumba, retirei a tampa metálica que cobre a placa de baquelite, a qual contém os soquetes das seis válvulas (8 e 9).

Neste meio-tempo, o amigo Howard Stone, experiente restaurador norte-americano definiu o meu intento de derreter o breu em poucas palavras: You’re a brave man! As fotos a seguir estampam a batalha. Isolada a catacumba do chassi (10), foi retirado o “miolo”, composto de um bloco de breu que envolvia todos os componentes (11).

Faltava “apenas” derreter todo o tijolo de breu para encontrar os pontos de interrupção de circuito e de capacitores deteriorados pelos 86 anos desde a fabricação!

A retirada do breu foi feita ao ar livre e com cuidados pela sua nocividade. O serviço não poupou, com o aquecimento, a interrupção de mais alguns “fios de cabelo” de bobinas... A foto (12) mostra como saiu o circuito de dentro do envoltório, com mais uma avaria: uma trinca na placa de baquelite. Havia muito mais trabalho pela frente!

O envoltório da catacumba foi recuperado com pintura externa e um forro de papel vergê para o isolamento de eventuais curtos-circuitos (13). Afinal, toda o chassi da Radiola e a lata de envoltório da catacumba são ligados ao pólo positivo da Bateria “A” (3 VCC filamentos) e ao pólo negativo das Baterias “B” (90 e 45 VCC).

4.  Restaurando a “catacumba” e o chassi.  A operação da retirada da catacumba também foi realizada com atenção na identificação dos circuitos e seus fios. Além da numeração original dos circuitos, fiz uso de fitas adesivas coloridas. (14 e 15).

Logo foi visto que a bobina L1 estava fragmentada em quatro partes, pois dela saíam 5 pontas de fios: as duas extremidades normais e mais 3 no centro do enrolamento...Refazê-la seria uma loucura:  ela tem a forma de uma moeda de 1 real, fina e achatada. Resolvi medir e unir as extremidades que dessem o valor de resistência mais próximo ao indicado no esquema. Na foto abaixo, vê-se o pequeníssimo ponto de solda da emenda.

Em vez dos 33 ohms de fábrica, cheguei a 15 ohms, menos da metade do valor original de resistência! Porém, como estes rádios históricos e primaciais não têm valores críticos para determinadas etapas do circuito, continuei obstinado a fazê-lo funcionar!

As demais ligações estavam corretas, bastando apenas trocar alguns capacitores comuns, todos alterados e com valores maiores de capacitância do que os do esquema: C5(50pf), C7(200pf), C8(50pf) e C9(240pf).  Capacitores com maior valor como C10 e C13 (0,01μ) foram substituídos, assim como o filtro marca Dubilier C11 (1 μ) e mantido no envoltório original (16 a 18).

O “Transformador de Saída”, algo como um corpo cilíndrico, prateado e achatado (talvez um OVNI!) junto ao Alto Falante, indicou continuidade e resistência de 2.000 ohms, o que provocou grande alegria, ao recordar toda a trabalheira relatada por outros restauradores no restauro deste trafo.
Aferições foram executadas no chassi, como a continuidade nos Transformadores de Frequência Intermediária (FI) (2,1 e 2,6 ohms) e nos Capacitores Variáveis C1 e C2, com amplitude de 81 a 765pf. Também foram checados:

1. Circuito de antena desde a bobina de antena (tampa móvel), C1, C3, C5, C6 e L1;
2. Circuito oscilador: C2, C4, L9 e L10.
3. Circuitos das placas e grades e correspondentes transformadores;
4. Circuito “A” (filamentos).  O ponto A+ é preso no corpo da lata que envolve a catacumba;
5. Os circuitos “B” (90 e 45 VCC) e “-C” com os terminais das válvulas.


O chassi e a catacumba conectados e prontos

5. Reostatos e Knobs.  A Radiola 26 possui dois reostatos ligados em série e que atuam no circuito “-A”.     O chamado Volume, controla a tensão no filamento da 3ª válvula e o denominado Battery atua nos filamentos das demais 5 válvulas.   A Radiola me foi vendida sem um dos reostatos e sua placa de latão. Eu tinha mais uma dor de cabeça. A solução para o reostato em falta foi adaptar um potenciômetro convencional de 50 ohms.
A placa e o knob foram comprados de Gary Schmidt (USA). Após, foi colada uma imagem de madrepérola no centro do knob, como a fabricada originalmente (figura abaixo).


6. Fonte. Foi construída uma fonte de corrente contínua (Baterias “B”) para alimentar a Radiola conforme o esquema abaixo. Compõe-se de um transformador (no desenho para facilitar parecem dois) com um primário para 127VCA e dois secundários: 125 e 55VCA. Duas “pontes” e dois capacitores eletrolíticos de 680µ fazem a retificação. Dois diodos Zener controlam a tensão com resistências de 4.7 e 2.7 k? (20 W e 10 W) para dissipação do calor. Adiante, mais dois conjuntos de capacitores eletrolíticos de 100μ são intercalados por resistências de pequeno valor para adequar a filtragem. As tensões de saída, com a fonte em uso, foram de 92 VCC e 42 VCC. No esquema são indicados os valores sem carga e as tensões nominais entre parênteses.

A execução da fonte foi feita basicamente pelo meu querido amigo Ari Zwirtes (in memoriam) www.radioantique.com.br. Ele construiu um chassi com circuito impresso (foto ao lado). Para a alimentação dos filamentos das válvulas (Bateria “A” 3 V), lembrei dos conselhos e advertências de Konrad Birkner, quanto ao perigo de queima dos seus filamentos.

Construídas a partir de 1922, raras e caras, as válvulas UV199 aquecem o filamento com baixíssima corrente (60 a 63 mA) e com uma tolerância muito baixa – apenas 10%, ao aumento de tensão (3 a 3.3 VCC). Se eu usasse a retificação de Corrente Alternada para a alimentação destes filamentos, aumentaria em muito o perigo de rompimento, mesmo com o uso de limitadores (Zener).  Daí a opção por duas pilhas alcalinas grandes em série que, além de fornecerem a mais pura corrente contínua, jamais irão ultrapassar os 3.3 VCC.  Quanto à placa das UV199, ela funciona com um potencial de 90 VCC que tolera variações como 95VCC, por exemplo.



Para a Bateria “C” (9 V), novamente os ensinamentos de Konrad Birkner foram de grande valia. Com uma pequena tensão negativa nas grades ou até sem ela a Radiola funcionaria. Realmente isto aconteceu, mas a inserção de um capacitor eletrolítico de 33μ x 25 V no lugar desta bateria aumentou muito a recepção, tornando totalmente desnecessária a “Bateria C”.

Na busca de informações para a construção da fonte também foram essenciais os esquemas de www.pharoahaudio.com/radiola26part1.html. Desta forma, a fonte construída só alimenta as tensões originalmente das baterias “B”, uma solução simplificada, porém que atende muito bem o funcionamento da Radiola 26. Ao final, todo o conjunto, a fonte e suporte das pilhas foram presos na parte interna e fundos da Radiola, o mesmo lugar onde eram postas as baterias originais (22).                              

7.  As válvulas UV199 e seu Teste.  Quando comprei a Radiola ela veio com todas as 6 válvulas UV199. Porém, duas delas estavam com as bases soltas da fiação do bulbo. Tentei e consegui remontar as duas válvulas avariadas (23 a 25).

Mas como testar uma válvula cuja fabricação ocorreu entre 1922 e 1925?  Se não sabemos, perguntamos e aprendemos! O amigo e radiófilo Sérgio Caon apresentou um esquema simples que foi montado especialmente para a verificação das UV199. Nada mais do que aplicar uma tensão de 3 VCC nos filamentos e outra  positiva de aproximadamente 90VCC na placa. Colocar uma carga (por exemplo, um transformador de saída) e medir a corrente de emissão. E como não havia soquete extra para a válvula, foram usadas partes de uma tira de fenolite para conexões!

O esquema abaixo contém um multiteste na escala de 20 mA CC, um transformador de saída de 200 x 1 ohm, 2 pilhas alcalinas grandes e uma fonte de 90 VCC. Por curiosidade, pode-se ligar um alto-falante para ouvir o sinal produzido. Na posição grade, pode ser ligado um potencial negativo ou um sinal, mas é desnecessário.

Para a obtenção da tensão 90 VCC foi usada uma fonte também construída pelo saudoso amigo professor Ari Zwirtes com uma válvula AZ1. Eu sempre a uso para testes em equipamentos muito antigos. Ela aparece na parte superior das fotos. Um valor por volta de 4 mA indicou válvulas em condições regulares para o funcionamento.

8. Final.
Depois de quatro meses de trabalho à noite e nos dias de folga, a Radiola 26 ficou pronta para o primeiro teste real sob tensão. Importante é reiterar que todo o trabalho durante estes 120 dias foi feito com os componentes elétricos “a frio”, apenas com medições de continuidade e resistência. Somente houve ligação na fonte de corrente contínua no dia do “Juízo Final”. Foi quando a Radiola RCA 26 funcionou pela primeira vez, amplificando uma emissora de AM e transmitindo uma emoção no ar.

Foi gravado um pequeno vídeo mostrando o funcionamento da Radiola 26. Nele eu também agradeço de viva voz a todos os que me auxiliaram nesta empreitada. Sorry pelas irregularidades no idioma bretão.  http://www.youtube.com/watch?v=aHi7kVCui94




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